O Tribunal e o Cheetos com surpresa da Hello Kitty e do Homem Aranha

Em 2 de maio de 2007 o Projeto Criança e Consumo denunciou à Promotoria de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Estado de São Paulo a promoção realizada pela Pepsico do Brasil Ltda. e Sanrio do Brasil Comércio e Representações Ltda.

Chetoos homem aranha/ DivulgaçãoNessa denúncia questionamos os abusos da comercialização do salgadinho Cheetos, que distribuía uma coleção de chaveiros da Hello Kitty e do Homem Aranha. A coleção se tornou a coqueluche do momento, mas correspondia a uma verdadeira prática ilegal de venda casada especialmente dirigida ao público infantil.

No exercício do seu dever de resguardar a sociedade, o MP ingressou com Ação Civil Pública contra a empresa Pepsico pedindo o fim da promoção e a possibilidade de o consumidor adquirir os tais chaveiros independentemente da compra do salgadinho.

Demonstrou, para tanto, não só a absoluta ilegalidade da venda casada, como também o fato de o público alvo da campanha publicitária, ou seja, as crianças, ser hipervulnerável e suscetível a apelos que misturam alimento com brincadeira, sem que se dêem conta disso.

Também explicou que a conta da obesidade infantil, cada vez maior para o país que já possui mais de 5 milhões de crianças sofrendo desse mal, é paga por toda a sociedade e pelos cofres públicos. Tudo em uma petição inicial repleta de fundamentos fáticos e legais, bem como em uma sólida pesquisa sobre o tema.

Sobreveio o julgamento. O Juízo da 4ª Vara Cível de Santo Amaro não concordou com os argumentos iniciais. Isso acontece. Quem atua em litígios sabe que nem sempre os pedidos são acolhidos. Contudo, a fundamentação dessa sentença limitou-se a dizer não ter havido venda casada porquanto “o oferecimento dos brindes não determinou a venda ou o consumo desenfreado dos salgadinhos”. Nada mencionou sobre a legalidade do direcionamento de tal promoção a crianças.

O MP apelou dessa decisão à Corte estadual pedindo sua reforma. Mas, infelizmente, também a Sétima Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo não enfrentou a questão. Disse que por serem minúsculos os chaveirinhos sua distribuição não configuraria venda casada – como se a norma fizesse considerações a respeito do tamanho dos produtos… Mas a pior parte foi outra: sobre a questão do direcionamento de publicidade às crianças e o impacto delas no aumento da obesidade infantil julgou que “nada substitui a orientação e a autoridade paternas com vistas à redução do consumo de produtos não saudáveis e que possam provocar a obesidade infantil”.

É provável que esse caso ainda seja julgado definitivamente pelas Cortes Superiores. Por isso, não acaba aqui a esperança de uma decisão que aprofunde todas as questões levantadas pelo Ministério Público.

A questão que se coloca aqui é: parte do Poder Judiciário está tão alheia ao que está acontecendo em todo o mundo? Tanto em relação às discussões sobre o tema como, principalmente, às pesquisas que já comprovaram o enorme impacto da publicidade de alimentos com alto teor de sódio, gorduras saturadas, gorduras trans e açúcar no aumento dos índices de obesidade e, por conseqüência, das doenças crônicas não transmissíveis?

Resta-nos a convicção no nosso trabalho e na necessidade de cada vez mais a sociedade ficar atenta e reclamar seus direitos, inclusive o de cobrar julgamentos mais criteriosos em questões tão relevantes para a infância brasileira.